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Massilon Silva *

O CORDEL CAI NO FREVO *Massilon Silva

 Quem acompanha regularmente o noticiário produzido pela mídia, televisão em especial, constatou que o Carnaval começou ontem, portanto uma semana antes do que se costuma chamar de " o período momesco". Rio de Janeiro, Salvador, Maceió, São Paulo, Recife e demais cidades de tradição carnavalesca tiveram seus desfiles de blocos nos quais reuniram número expressivo de foliões. É a folia, que tem lugar garantido nas grandes, médias e pequenas cidades do Brasil e no coração dos brasileiros, uns mais outros menos, a depender de fatores diversos como disposição física, recursos financeiros, tempo disponível, etc..., e que se esticará até a quarta-feira de cinzas.

Essa festa gigantesca, que em certos casos chega a ser conhecida como "o maior espetáculo da terra", título que se dá ao desfile da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, além de movimentar cifras astronômicas em dinheiro, promove por intermédio e com a força das escolas de samba e blocos de rua a divulgação de pessoas, entidades políticas, etc., tornando-as mundialmente conhecidas, tamanho é o número e a frequência de exposição na mídia, quando homenageadas. Todo mundo sabe que os governadores de estado e prefeitos de municípios mais abastados pagam verdadeiras fortunas para que suas unidades federativas sejam exaltadas nas avenidas Brasil em fora, com seus personagens encimando algum carro alegórico, falando do folclore, das riquezas e da história. Há, de outra banda, personagens da música, teatro, literatura, autores, compositores, escritores que, pela importância do trabalho que realizaram ou realizam recebem significativas e merecidas homenagens, desfilando em carros alegóricos de forma isolada ou pontual e até mesmo com um desfile inteiro em seu louvor.

 No rol de homenageados ilustres no Carnaval deste ano destaca-se um ramo da expressão popular que tem sido protagonista dos maiores acontecimentos literários dos últimos tempos - a literatura de cordel. Em 2020 o carnaval é do cordel como o céu é do avião, dirá Caetano, e esta frase não é mais uma figura de retórica, bastando para confirmar sua veracidade que prestemos atenção em três acontecimentos marcantes. Vejamos quais: O primeiro grande acontecimento do carnaval deste ano terá lugar na cidade de São Cristóvão, o município vizinho da capital Aracaju, em Sergipe. Ali o cordel terá seu reconhecimento na homenagem.  


Xilogravura de Vauber Rolan


 Na  homenagem que será prestada à cordelista Alda Cruz, a mais longeva (90 anos) em atividade em Sergipe e quiçá no Brasil. São Cristóvão que ostenta o título de quarta cidade mais antiga do país e já sediou um dos mais importantes festivais de arte, realizará de 14 a 25 de fevereiro o que a Fundação de Cultura e Turismo João Bebe-Água (FUNDACT) está chamando de O Carnaval dos Carnavais, com o tema Cordel na Folia, homenageando sua maior expressão cordeliana - D. Alda, como é conhecida, ela que integra o quadro de membros efetivos da Academia Sergipana de Cordel, estando entre suas fundadoras.
 Em matéria publicada na imprensa local a FUNDACT assegura que "Além de ser destaque como tema do Carnaval, a cordelista também ganhará seu próprio bloco, que desfilará pelas ruas do Centro Histórico às 15 horas do dia 23 de fevereiro. Para completar, Alda Cruz terá uma exposição na Casa do Folclore, onde serão expostas suas obras, fotografias e peças pessoais, permanecendo no espaço de 04 de fevereiro a 01 de março de 2020".
Deslocando-se do nordeste em direção ao berço brasileiro da folia depara-se com mais uma homenagem ao cordel na forma de citação que é feita no samba enredo da Estação Primeira de Mangueira. Ali, dois versos do enredo A Verdade vos Fará Livres dizem: "Eu tô que tô dependurado/Em cordéis e corcovados". O enredo, como se sabe, não teve a intenção de elogiar diretamente o cordel, porém a identificação parece inevitável.
  Para concluir, tem-se a mais significativa homenagem já prestada ao cordel em tempos de carnaval, o que acontecerá na capital pernambucana. O Galo da Madrugada, eleito maior bloco de carnaval do mundo, que contou em seu desfile de 2019 com dois milhões e meio de pessoas, fará desfilar 6 carros alegóricos todos eles contando a história do cordel e da xilogravura. Aliás, o desfile deste ano homenageará o internacionalmente conhecido J. Borges, o mestre pernambucano da xilogravura que também assinará a camisa oficial do Galo. A homenagem, claro, é à arte de J. Borges, porém indiretamente mestres como Regina Drozina (SP), Vauber Rolan (RJ), Unhandeijara Lisboa (PB) Mestre Dila (PE) e outros xilogravuristas brasileiros estarão recebendo os aplausos no desfile do dia 22 próximo em Recife.
A grande verdade é que em 2020, seja desfilando em carro alegórico, seja emprestando nome a desfile, seja homenageando a maior figura da xilogravura brasileira, o cordel, para alegria de gregos e baianos, definitivamente caiu na folia.

Autor: Massilon Silva

*Escritor e poeta, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.