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Massilon Silva *

O QUE É CORDEL? *Massilon Silva

  Vocês já repararam? Não sei se repararam, mas se não o fizeram farei agora uma confissão e de hoje em diante, se atenção dispensarem a meus escritos constatarão essa dura realidade, que outra não é a de que o cronista não tem vontade própria. Começa na segunda-feira com uma ideia sedimentada sobre o que escreverá na coluna semanal de domingo e quando chega lá já mudou totalmente o assunto, pois daquilo que tinha intenção de dizer já não lhe resta uma mísera palavra e se resta não faz sentido para a ocasião. Assim vem ocorrendo comigo nos últimos dias e semanas desde quando comecei este assunto de sistematização do cordel. Na segunda-feira juro por tudo que há de mais sagrado que não tocarei no assunto, pelo menos no próximo domingo, mas os acontecimentos da semana vêm em turbilhão e se multiplicam com tanta rapidez que reclamam, ou melhor, exigem que uma palavrinha a mais. E, como já dizia o mais famoso dos corintianos "quem sai na chuva é pra se queimar", vamos ao que interessa.

  Semana passada teci rasgados elogios ao senhor Governador de Paraíba pela edição de um Decreto que trata da criação de uma Cordelteca no âmbito estadual, um centro de estudos e divulgação do cordel e ainda trata da articulação entre Academias de Cordel, para melhor difusão e dinamização dessa literatura, visando inclusive sua chegada às escolas. Muito embora tenha minhas reservas quanto à aplaudo a iniciativa pelo conteúdo. Explico. Em meu modesto entendimento essa matéria deve ser tratada originalmente em lei, ficando ao decreto a função de regulamentar. Isso porém em nada desmerece a importância do decreto e nem prejudica o fim a que se propõe. Mantenho os louvores.

  Outro comentário elogioso que fiz na oportunidade (e mantenho) foi à iniciativa da Universidade Estadual da Paraíba ao promover um concurso para cordelistas, exigindo no Edital que os textos obedeçam as exigências que fazem parte das regras fixas do cordel, inclusive no tocante à extensão, determinando um mínimo razoável de estrofes. Quanto aos apupos (que também mantenho), referem-se à restrição ali contida quanto a quem pode participar, restringindo a certame apenas aos nascidos em solo paraibano. 

  As boas notícias (que bom!) não param por aí. A Câmara de Vereadores do município alagoano de Pão de Açúcar aprovou no último dia 22, por unanimidade o projeto de lei ordinária de autoria do vereador Diomedes Rodrigues que trata da implantação do ensino do cordel como matéria da grade curricular das escolas municipais de ensino fundamental.

 O projeto aprovado merece "in casu" rasgados elogios não apenas na forma como no conteúdo. Ali se procurou estabelecer com riqueza de detalhes as normas gerais, deixando a regulamentação para o Executivo sob a forma de decreto, previsão que se explicitou no artigo 2°. Perfeito, inclusive sob o ponto de vista da técnica legislativa. Este rio de leis e decretos, no entanto, precisa desaguar numa foz segura, que é sem dúvida a da Sistematização. Alguém precisa dizer com precisão "o que é cordel", para que seja implantado como conteúdo pedagógico, e isso, convenhamos, não é função legislativa. Talvez a articulação entre as Academias prevista no decreto de Paraíba aponte para esse norte, e o faz até o limite a que pode chegar.



 Vou trazer mais um exemplo sobre a necessidade de sistematização do cordel. Na mesma Pão de Açúcar, também na semana que passou, aconteceu com grande sucesso o I Encontro de Escritores e Jovens Escritores, que reuniu gente já calejada da literatura local e estudantes da rede municipal de ensino. Na oportunidade deu-se ênfase ao cordel ou ao que se chamou de, mas lendo os trabalhos apresentados pelos alunos observei que nenhum deles foi cordel na verdadeira acepção da palavra, mostrando, ao "contrario sensu", visível desconhecimento dos alunos quanto à técnica presente nesse tipo de literatura. A honrosa exceção credita-se ao aluno Leandro Almeida de Souza, 6° ano "C" da Unidade Municipal de Ensino Jaime de Altavila. Cordel verdadeiro, com alguma perdoável desmétrica.
 A culpa, é de bom alvitre dizê-lo, não está nos alunos, tampouco nos professores, mas na quase total falta de informação em ambos os níveis.

  Registro que fui convidado para o evento mas não pude comparecer por motivos outros. Estava com previsão para comparecer à reunião que no mesmo dia ocorreu com o IPHAN na Academia Alagoana de Literatura de Cordel, em Maceió. Minha presença também em nada mudaria o resultado.

 Assim acontece em todo o Brasil, e se providências urgentes não forem tomadas o cordel, com todo sucesso do momento, não chegará a lugar nenhum.

  Para mais uma decepção acabo de ler num grupo de WhatsApp a seguinte pérola, que por motivos óbvios não citarei a autoria:

"Recebi agora essa literatura de cordel. Que delícia! Que bonito! Agradeço a homenagem da Professora (...........) essa cordelista de excelência.
Começa assim:

Bom dia flamenguista
Que chora de felicidade
O Flamengo é campeão
Essa é uma verdade".

 Omiti, como dito acima o nome do grupo, da pessoa que postou e da professora. Quanto a esta creio sinceramente que a intenção foi de prestar sua homenagem ao Clube de Regatas do Flamengo pela conquista do título de campeão da copa Libertadores da América na tarde de ontem, e o fez em poesia no estilo Quadra, que não é nem mesmo parente distante do cordel.
         
 A Academia Brasileira de Literatura de Cordel está mais uma vez com a palavra. Aliás, sobre o assunto até agora não se dignou emitir o mais inaudível dos sons.


  SISTEMATIZAÇÃO JÁ! 

Autor : *Massilon Silva

*Escritor e poeta, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.