A FORÇA DO CORDEL *Massilon Silva
A semana ontem encerrada foi das mais profícuas para o cordel brasileiro, se fizermos um inventário de todos os acontecimentos relevantes nesta área durante o ano cujos últimos dias se aproximam. Em 2019 a literatura de cordel esteve presente e atuante nos mais destacados eventos culturais, desde as feiras de cordel propriamente ditas até as Bienais Internacionais de Livros, com destaque para Itabaiana em Sergipe, Maceió em Alagoas e Rio de Janeiro, para citar as mais importantes. Concursos como os que foram promovidos pela Biblioteca Anita Porto Martins, do município do Rio de Janeiro, Cartola Editora, de São Paulo e Secretaria Estadual de Cultura, de Alagoas, deram o tom para um futuro, bem próximo, que se afigura promissor.
Dois fatos, no entanto, já agora no apagar das luzes do ano, causaram a melhor das impressões a este colunista, pela seriedade com que tratam o cordel e a preocupação em difundi-lo, resgatar, valorizar e, acima de tudo, dar notoriedade, ainda que nas entrelinhas, a um assunto que trouxemos à baila ultimamente - a sistematização -, que ainda se encontra numa fase incipiente da discussão.
Antes mesmo de fazermos os dois registros queremos parabenizar seus realizadores, todos com assento e endereço certo e sabido no Estado da Paraíba.
Tratemos então do primeiro. No último dia 12 o Diário Oficial do Estado publicou o Decreto 39.691, assinado na data anterior pelo senhor chefe do executivo paraibano que "Cria o Centro de Cordel e de Culturas Populares do Estado da Paraíba". Não se trata de fato isolado e não aparenta ter cunho exclusivamente político, da mesma forma que não é mais uma "norma em branco", como se diz no jargão jurídico. Enumera tópicos e evoca temas específicos que merecem a atenção dos cordelistas e demais pessoas físicas e jurídicas envolvidas com o assunto, e sobre esse novel diploma pretendemos escrever uma matéria, nos próximos dias, comentando seus diversos artigos, inclusive no tangente ao seu aspecto legal à luz da CF/88. Por enquanto fiquemos na reprodução e comentários aos tópicos principais.
O diploma enumera e determina atitudes concretas como local de funcionamento para o Centro, que é a Fundação Casa de José Américo, vinculada à Secretaria de Estado da Cultura; prevê a instituição de núcleos com especificidades, inclusive a criação de uma Cordelteca, prevista no inciso III do artigo 3° e mais adiante, dentre os objetivos do Centro, "dinamizar os acervos como instrumentos didáticos e pedagógicos, no ensino-aprendizagem das ciências humanas e sociais (4°,IV) e ainda" articular as academias de cordel em funcionamento no Estado da Paraíba " (4°, VII)
Tudo isso não seria realidade, pelo menos nos termos e amplitude que estão postos, não fosse o empenho e a dedicação diária de três integrantes do Conselho Estadual de Políticas Culturais nas pessoas de Marconi Araújo, Tiago Monteiro e Neto Ferreira, que não por acaso são membros da atuante Academia de Cordel do Vale do Paraíba - ACVPB.
E hoje tem mais Paraíba. A Universidade Estadual da Paraíba anuncia um importante certame intitulado Concurso de Cordel Jackson do Pandeiro: 100 Anos do Rei do Ritmo. O edital, cuidadosamente elaborado, especifica que as obras concorrentes serão elaboradas "em sextilhas, com sete sílabas poéticas, possuindo no mínimo 32 estrofes e no máximo 64 estrofes; (........) em setilhas, contando sete sílabas poéticas, dispondo de no mínimo 24 estrofes e no máximo 48 estrofes". Contempla ainda obras elaboradas em décimas, porém sem deixar de prever um número mínimo e razoável de estrofes. Isto é ou não sistematizar?
Há, infelizmente, uma nota dissonante que é a restrição imposta aos participantes ao admitir inscrição de apenas escritores paraibanos. Realmente um ponto fora da curva.
Outro evento não menos merecedor de destaque foi a participação de cordelistas fluminenses, da cidade de São Gonçalo, vinculados ao Diário da Poesia, na Feira Literária de Assis (FLIA) no Estado de São Paulo, realizada nos dias 1,2 e 3 deste mês. No quesito cordelistas participantes, dentre eles o competente Zé Salvador, nenhuma nódoa, nenhum reparo a ser feito; quanto à organização do evento, esta sim, cometeu um pecado grave ao tratar o cordel como literatura marginal, dizendo claramente que os cordelistas inserem-se entre os artistas que "sobrevivem à margem da dita (literatura cânone)". Não é verdade, e aqui não estamos tirando o valor ou negando a qualidade da literatura marginal com destaque especial para a poesia, mas é preciso ter em mente que enquanto aquela surgiu e se desenvolveu na década de 70 do século XX o cordel remonta aos anos 1800. Paulo Leminsk e outros ícones da poesia marginal são autores de reconhecida genialidade mas suas obras não guardam qualquer similitude com o cordel.
Precisamos, de outra banda, acabar com essa falácia de que muita gente foi alfabetizada pelo cordel, como se essa literatura fosse uma réplica da antiga Carta de ABC. O Cordel, sim, em inúmeros casos, principalmente no nordeste brasileiro serviu para incutir nas crianças e até em adultos o hábito da leitura pelo fascínio que despertavam e ainda despertam suas histórias.
Na esteira dos eventos, destaque especial para o 4° Círculo Natalense de Cordel que nos dias 14, 15 e 16 deste levou milhares de pessoas à praça Padre João Maria, na capital do Rio Grande do Norte.
Para encerrar, quero deixar registrado um evento que considero de suma importância. Trata-se da inauguração da cordelteca da Faculdade Estácio, em Aracaju, Sergipe, no próximo dia 19, terça-feira, dia do cordelista. O espaço receberá o nome do mestre Pedro Amaro do Nascimento, cordelista de qualidade indiscutível, membro fundador da Academia Sergipana de Cordel - ASC.
Parabéns, "seu" Pedro, pela merecida homenagem, e desfraldemos todos a bandeira da Sistematização Já!
Sugestão de leitura: Os Dez Mandamentos das Academias de Cordel, de Marconi Araújo.
Por: Massilon Silva
*Escritor e poeta, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.