PIRRO E O CORDEL Massilon Silva *
Pirro do Epiro foi um general grego que viveu entre os anos 318 a. C. e 272 a. C., governou a Macedônia e empreendeu várias guerras contra Roma. Foi considerado por Aníbal como o segundo gênio militar do seu tempo, superado apenas por Alexandre Magno. Um reconhecimento, sem dúvida, digno de orgulho.
Conta-se que Pirro, após o final de cada uma de suas memoráveis batalhas, promovia grandes e suntuosos desfiles nos quais exibia despojos de guerra, sempre exaltando seus feitos, ainda que os belicosos embates, em certos casos, pouco ou nada representassem em termos de ganho real para sua pátria. Daí ter nascido a expressão " vitória de Pirro" quando se quer dizer que alguma vitória às vezes não é tão grande quanto parece.
Pergunta o leitor o que tem o cordel com a vitória de Pirro e responde o articulista: - Quase nada, mas pode levar a uma reflexão quanto aos recentes acontecimentos.
Voltaremos mais adiante a este tópico.
Conforme havíamos prometido, nossa crônica anterior abordou um tema sensível a todos aqueles que trilham a via da literatura de cordel. Na oportunidade fizemos ver a necessidade de valorizar nossos escritos seguindo as regras fixas do gênero e primando pelo bom emprego da língua portuguesa, para uma apresentação cada vez melhor e digna dessa arte milenar.
Hoje trataremos de outro aspecto nao menos importante, qual seja, a introdução do cordel nas escolas por este Brasil em fora. Trata-se de um assunto que reclama a atenção de todos e, no nosso modo de vista, em especial das academias e agremiações similares que, no final das contas, são ou devem ser responsáveis por velar pela efetiva entrada do cordel nas instituições de ensino.
Perguntaria alguém antes de examinar estas mal traçadas linhas, como pôr em prática as medidas necessárias para levar adiante a inserção do cordel nos currículos escolares. Respondemos de antemão ser preciso examinar com isenção de ânimos o que temos até agora em termos de legislação pertinente à matéria. Examinarei aqui apenas 3 leis estaduais e procurarei tecer brevíssimos comentários sobre o teor e a eficácia de cada uma, não sem antes dizer que nenhuma delas atende ao fim a que se propõe. Vejamos:
A Lei 11.354 de 17 de junho de 2019, da Paraíba, "institui o programa de estímulo à literatura de cordel nas escolas da rede pública e privada do estado da Paraíba". É só.
Em Pernambuco uma lei estadual "institui a semana de divulgação da literatura de cordel nas escolas", conseguindo assim a façanha de ser pior que a paraibana.
Já em Sergipe o legislador foi mais cuidadoso, produzindo um diploma mais abrangente e de possível, embora cambaleante, aplicação. Diz o texto, um pouco na linha dos anteriores que "institui o Programa de Fomento à 'Literatura de Cordel nas Escolas' da rede pública e privada, em todo território do Estado de Sergipe". O avanço em relação às suas congêneres está no artigo terceiro, "in verbais" :
Art. 3° O poder público pode uma vez por ano realizar nas escolas do Estado de Sergipe o mês da literatura de cordel, preferencialmente em novembro.
Como dito linhas acima, a Lei 8.533/2019 é mais abrangente e avançada, embora no seu bojo traga a palavra "pode", esta expressão indefinida que levou ao Supremo Tribunal Federal a discussão sobre a aplicação imediata ou não da legislação que, em tese, permite ao juiz ou tribunal mandar executar a pena criminal quando a decisão condenatória for confirmada na segunda instância, com trânsito em julgado. Mas esta é, nas palavras do personagem de histórias infantis Fofão, "uma outra história para um outro pôr do sol".
As leis aqui citadas podem ser definidas como normas em branco ou normas abertas, dependentes de outras que as complementem ou do livre arbítrio de quem as queira aplicar. Em nenhum momento deixam claro como torná-las efetivas, incluindo o cordel nos currículos escolares, mesmo que seja como matéria não obrigatória.
A norma em branco é, para concluir o raciocínio, "um preceito incompleto, genérico, que precisa da complementação de outras normas".
É de fácil compreensão que as normas até aqui vigentes resultaram de árduo trabalho desenvolvido pelas academias de cordel e similares, professores, cordelistas e editores dos respectivos Estados, mostrando aos legisladores a importância da inclusão dessa rica literatura nos currículos escolares. Constata-se da mesma forma que os representantes do povo em suas casas legislativas e o Executivo sancionando sem vetos projetos aprovados, foram sensíveis aos reclamos dos cordelistas. O caminho foi aberto; resistências foram vencidas; problemas superados; empecilhos contornados; etapas concluídas mas não basta.
Outras etapas precisam ser vencidas, seja com o aperfeiçoamento das normas atuais por parte dos legisladores, seja por deliberação do Poder Executivo tornando efetivas as leis e implantando as medidas cabíveis, seja pelas secretarias de Educação, de Cultura e afins, proporcionando os meios para que o cordel chegue de fato e de direito às escolas. Isso passa necessariamente pela qualificação de professores, aquisição de obras literárias para dar suporte didático às ações, etc... etc... Cabe enfim aos cordelistas o empenho diário e incessante para que se ponha em prática o que até agora só existe no papel, lutar pelo aperfeiçoamento das normas e tudo mais.
Agora voltando a Pirro, tudo isso se faz imprescindível para que não repitamos as palavras do grande general grego quando, terminada a Batalha de Ásculo, teria proferido a célebre sentença: MAIS UMA VITÓRIA COMO ESTA E ESTAREI PERDIDO.
Por: Massilon Silva *
*Escritor, poeta e membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.