Imagem capa - ALEA JACTA EST Massilon Silva *        O Cordel é uma forma de literatura popular introduzida no Brasil pelos portugueses desde o início da colonização, por Portal Conexao Italia Brasil
Massilon Silva *

ALEA JACTA EST Massilon Silva * O Cordel é uma forma de literatura popular introduzida no Brasil pelos portugueses desde o início da colonização,

ALEA JACTA EST

Massilon Silva *


O Cordel é uma forma de literatura popular introduzida no Brasil pelos portugueses desde o início da colonização,

sendo uma das mais autênticas maneiras de contar histórias e noticiar os acontecimentos da época, chegando a ser considerado um verdadeiro jornal.

O termo "literatura de cordel" é, segundo alguns historiadores, inspirado no fato de que o os portugueses exibiam suas obras populares penduradas em cordões ou cordéis, à vista dos passantes e consumidores daquele produto cultural, não sendo isso um fato indiscutível pois entre os estudiosos do cordel há os que discordam oferecendo sólidos argumentos, destacando-se nesta corrente o jovem cordelista e pesquisador Varneci Nascimento.

Independente da origem do termo cordel, o que não se pode desconhecer é a importância dessa manifestação cultural e forma literária no Brasil dos séculos pretéritos, com destaque especial para a região Nordeste, onde funcionou (e bem) como meio para alfabetizar grande parte da população que não tinha acesso à educação formal, que em geral se desenvolvia nos centros urbanos, afastados do meio rural. Foi assim, através dos folhetos vendidos, propagados e propagandeados nas feiras livres, que inúmeros nordestinos aprenderam a ler e escrever, muitos deles ingressando mais tarde em estudos mais elevados graças àquele rude aprendizado inicial.

Nosso país, o nordeste destacadamente, serviu de berço a cordelistas de renome, alguns deles tornando-se conhecidos fora do Brasil por sua arte desenvolvida de forma impecável e dentro dos padrões estabelecidos, como é o caso de Leandro Gomes de Barros, que teve seus folhetos exportados para vários países e traduzidos em diversas línguas. Este, cujas obras inspiraram o escritor Ariano Suassuna quando escreveu sua peça teatral mais famosa, O Auto da Compadecida, recebeu de Carlos Drummond de Andrade o honroso título de "o rei da poesia do sertão e do Brasil", o que nos dá uma dimensão da importância da literatura de cordel" . Leandro é hoje patrono da cadeira número 1 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel - ABLC.

Na galeria dos mais proeminentes cordelistas destacam-se o próprio Leandro Gomes de Barros, paraibano, tido como o maior de todos e o verdadeiro disseminador da cultura popular em versos; Rodolfo Coelho Cavalcante, alagoano; Apolônio Alves dos Santos, paraibano ; Arievaldo Viana Lima, cearense; Cego Aderaldo, também do Ceará e João Firmino Cabral, de Sergipe. Estes estão seguramente entre os mais importantes.Pois bem. A literatura de cordel teve seus dias de glória desde o século XIX até o XX, porém na última quadra deste mergulhou em um processo de decadência e quase ostracismo, chegando alguns a pensar que cairia no esquecimento total. Os grandes cordelistas faleceram; não surgiram novos nomes; os vendedores e seus mais lídimos divulgadores abandonaram as feiras e praças, resultando na ínfima venda e circulação e, finalmente, desaguando na falência das inúmeras editoras que a produziam. Isso ocorreu por vários motivos, sendo os principais deles o êxodo verificado no campo, o aumento nos custos de produção e a massificação dos meios de comunicação pelo rádio, revistas, jornais e TV, que levaram ao grande público, se não cultura mas informação em grande escala, inclusive em tempo real.

O século XX estava em seus estertores quando um grupo de abnegados decidiu trazer a lume a então quase esquecida arte e, em 07 de setembro de 1988, fundou no Rio de Janeiro a Academia Brasileira de Literatura de Cordel - ABLC, hoje presidida pelo conceituado cordelista Gonçalo Ferreira da Silva, com a efetiva colaboração de outros profissionais de não menos competência.

O século XXI, por seu turno, veio trazer novas luzes para o cordel, com o surgimento de novos e hoje destacados cordelistas, pesquisadores e admiradores, principalmente nos Estados da Região Nordeste (Alagoas, Pernambuco, Ceará, Sergipe e Paraíba) além do Rio de Janeiro e São Paulo. Estes homens e mulheres se agruparam em academias locais, com destaque para a Academia de Cordel do Vale do Paraíba - ACVP,  Academia Sergipana de Cordel - ASC (2017), Academia Alagoana de Literatura de Cordel - AALC (2018)e tantas outras, trazendo o cordel de volta à sua pujança inicial, com a visibilidade e aceitação que hoje se vê.

As autoridades públicas também fizeram a sua parte. Primeiro a Lei Federal n° 12.198, de 14 de janeiro de 2010, que dispôs sobre o exercício da profissão de repentista, incluiu em seu art. 3°, IV  "os escritores de literatura de cordel", passando assim estes profissionais a integrar o Quadro de Atividades e Profissões em Vigor de que trata o art. 577 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e, segundo, ainda no âmbito federal, quando o Ministério da Cultura declarou apoio à inclusão do cordel no currículo escolar.Com a elevação da literatura de cordel à categoria de Patrimônio Cultural Brasileiro, título concedido em 19 de setembro de 2018 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, a atividade tomou-se de novo ânimo, tornando-se mais atrativa e mais e mais pessoas passaram a produzir e consumir este valioso produto cultural. A isto seguiram-se a edição de legislações estaduais a exemplo da Lei 8.533, de 22 de maio de 2019, que "institui o programa de fomento à literatura de cordel nas escolas, em Sergipe, a Lei 11.354, de 17 de junho de 2019, que "institui o programa de estímulo à literatura de cordel nas escolas da rede pública e privada do estado da Paraíba" e outras tantas. A esse embalo seguiram-se os estudos e pesquisas universitários, teses e mais teses de mercado, estímulo à produção e divulgação, criação de cordeltecas nos municípios e ampla participação em feiras literárias de reconhecimento internacional.

Estamos pois, vivenciando uma nova era do cordel, testemunhando uma profícua produção literária do gênero, com adesão em massa da comunidade leiga e culta a essa nobre atividade.

Uma coisa, no entanto, precisa ser vista com reserva, qual seja a proliferação de pseudocordelistas, produzindo material de qualidade inferior ou mesmo duvidosa, baixo nível intelectual, mas deste assunto cuidaremos em nossa próxima crônica.

Por enquanto digamos como César ao transpor o Rubicão, A SORTE ESTÁ LANÇADA.


*Escritor e poeta, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.