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CORDEL COLETIVO *Massilon Silva
CORDEL COLETIVO *Massilon Silva
Grata surpresa foi a notícia que me chegou por intermédio do historiador carioca Isaías Caetano, amigo e confrade de brilhante atuação na Academia Brasileira de Literatura de Cordel,
dando conta dos fatos ocorridos na tarde noite de quinta-feira (28/11) por ocasião de mais uma Sessão Plenária (a penúltima do presente exercício) da aludida instituição. O mais importante de todos foi sem dúvida o lançamento, que prefiro chamar de apresentação, de um Cordel Coletivo por alunos do Colégio GAU (Olaria - RJ) com o título Seja Menos Preconceito. Transcrevo a primeira estrofe:
Preste bastante atenção
no que agora vou falar,
sendo uma turma de amigos
nós queremos explicar
que infelizmente inda existe (SIC)
segregados a chorar.
A grata surpresa aqui não vai por conta do tema abordado, hoje quase transformado em clichê, nem pelo trabalho coletivo, visto que muitos folhetos têm sido publicados Brasil em fora com igual denominação, mas especialmente pela maneira como foi trabalhado neste caso específico. Sabem todos que militam na profissão de cordelista que escrever um texto na modalidade cordel, seja crônica, conto, romance ou qualquer outro tipo de narrativa, mostra-se quase impossível por mais de um autor ao mesmo tempo. Isto é fácil de entender porque a oração, que é um dos pilares do cordel, perde unidade se feita por mais de um narrador, mesmo que se tenha partido de um tema único e preexistente. Com a rima pode acontecer a mesma coisa e com a métrica idem, de maneira que, repito, não haverá unidade. O que se tem tratado como Cordel Coletivo não passa, ao fim e ao cabo, da reunião em um único tomo de estrofes produzidas por vários autores, tratando do mesmo tema, quando tratam, mas de conteúdo desprovido de unidade. Isto é quase o óbvio ululante de que falou Nelson Rodrigues, pois que, como é natural, cada poeta tem seu ritmo próprio, sua inspiração particular, sua peculiar oração. A tentativa de unir essas características resulta em uma colcha de retalhos e, pelo menos pra mim, Cordel Coletivo não existe.
Acontece porém que exceções também habitam o mundo do provável e o Cordel Coletivo do Colégio GAU é uma delas; isso foi possível graças à presença de um orientador que deu forma e unidade à obra no quesito Construção Técnica, uma expressão até então desconhecida no meio cordeliano. Os alunos foram assistidos pelo poeta Zé Salvador, hoje um dos cordelistas mais requisitados do Rio de Janeiro, inclusive citado em obras de renomados pesquisadores da área, como é o caso da excepcional ARTE, POESIA & SEUS (EM)CANTOS: LITERATURA DE CORDEL NOS TERRITÓRIOS CULTURAIS, de Elis Regina Barbosa Ângelo e Sílvia Nemer, doutoras em história, uma obra de monta e de relevância para o cordel e a arte popular de um modo geral, segundo a crítica especializada.
Por fim, devo dizer que o trabalho elaborado a muitas mãos pelos alunos do Colégio GAU, da maneira como foi conduzido, me fez repensar meu conceito sobre o Cordel Coletivo.
*Escritor e poeta, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.