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CORDEL 2020 *Massilon Silva

CORDEL 2020 *Massilon Silva

 

 
 

       



O novo ano se aproxima e os ventos continuam favoráveis para o cordel, com sopro trazendo promessas de doze meses ainda mais movimentados que o período agora em processo de expiração. Basta uma rápida leitura do que anunciam os meios de comunicação de massa ou aqueles mais restritos ao tema, para constatar-se o número de eventos já programados e divulgados para os 365 dias vindouros.

          Anuncia-se para o início do ano em Alagoas e Sergipe a edição de 3 eventos literários, todos contemplando em seu bojo a literatura de cordel. Como são repetições de acontecimentos anteriores quando só os contos, as crônicas e a poesia erudita constavam das respectivas programações, a presença do cordel faz-se digna de registro. Destaco o VII Encontro de Escritores e Leitores Canindeenses e Convidados (SE), I Antologia Arapiraquense de Escritores e Convidados (AL) e IV Antologia de Escritores Santanense e Convidados (AL). Vale ressaltar que são antologias organizadas por pessoas ligadas ao meio literário de suas cidades, com participação aberta ao público, que financia a obra, não se submetendo às regras predominantes dos concursos literários. Funcionam, no dizer de uma de suas organizadoras, como formação de uma "identidade antológica" local. Nem por isso devemos esquecer que neles o cordel desponta com vigor, e em se falando de concursos já temos o primeiro anunciado para o próximo ano, o I Concurso Literário da Academia Tobiense de Letras e Artes - ATLAS, com encerramento das inscrições previsto para 30 de janeiro vindouro. Ali o cordel figura entre os gêneros literários passíveis de avaliação.

          O momento é de felicitações aos organizadores, e por antecipação aos eventuais inscritos para os concursos, ou simplesmente os que abrilhantarão com suas obras as antologias como cotistas, pela inclusão do cordel em seus regulamentos e editais, porém não se pode olvidar que nas vezes presentes e nas precedentes não se viu o mínimo de experiência, demonstrando visível falta de conhecimento da arte cordeliana em seu aspecto formal, do lado dos organizadores, contudo aos eventos não lhes tira a importância e brilho, e ao cordel a visibilidade e  triunfal entrada no meio literário tido como mais culto ou de verniz acadêmico.

         Fora estava do nosso roteiro voltar a este assunto, pelo menos na presente quadra, mas não apenas pelas rápidas pinceladas linhas atrás a Sistematização requer tratamento de urgência urgentíssima. Digo isso e volto ao assunto pelo teor de uma notícia que acabo de ler em um certo Portal TNH1, aparentemente ligado ao grupo Record de televisão e ele, o Portal, com fincas em Alagoas. A matéria, com data de 20/12/19, noticia em tom eufórico e perfeitamente compreensível, o

fato de um aluno de escola pública da cidade de Bom Jesus, no Rio Grande do Norte, ter conquistado a medalha de ouro "na final da Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa, neste mês, em São Paulo". Até aí tudo bem; palmas para o garoto de apenas 11 anos de idade que conquistou a justa e merecida honraria, porém nominar a obra como sendo cordel é um verdadeiro absurdo, não ficando claro se o erro grosseiro foi do Portal ou dos responsáveis pelo certame, caso em que seria de maior gravidade ainda. Aliás, a própria notícia já se contradiz em seu teor, mais adiante, ao afirmar que " a poesia foi escrita no estilo 'galope à beira-mar' que contém estrofe de dez versos e onze sílabas", inclusive com reprodução integral da letra (texto) do poema popular que, por coincidência, por sinal a única, nasceu no nordeste, assim como de lá veio o cordel ou literatura de folhetos em sua versão brasileira.
           O equívoco inescusável quanto à classificação não ofusca o brilho da conquista mas escancara a porta da falta de conhecimento do que seja literatura de cordel para grande parte das pessoas, e da necessidade de seu estudo sistemático. Esta, a literatura de cordel, não guarda qualquer relação, nem mesmo histórica, com o galope a beira-mar. Enquanto a primeira remonta sua introdução no Brasil pelos portugueses ao fim do século XVIII, o segundo é uma criação do poeta popular, cearense para uns piauiense para outros, José Pretinho, que morreu no século XX.
           Pois bem. Minha luta e de muita gente da área pela sistematização não é uma voz que clama no deserto, aqui apenas para lembrar as palavras de João Batista. Releio aqui e cito por oportuno o pensamento de grande parte da comunidade do cordel no Rio Grande do Norte. Em setembro deste ano, durante Encontro patrocinado pelo IPHAN/RN, a Estação do Cordel em conjunto com a Academia Natalense de Literatura de Cordel - ANLIC apresentaram o que se chamou de "conjunto de proposições que foram acumuladas ao longo das discussões ocorridas nos eventos do movimento cordiano". Destacamos:
1 -…............…............
2 - Que as secretarias de Educação e Cultura promovam políticas de formação de seus profissionais que permitam formá-los no gênero cordel;
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9 - Que o Cordel seja levado pelos órgãos públicos para as escolas, universidades e outras instituições afins, para ser estudado de forma SISTEMÁTICA (grifo nosso) e permanente, bem como preservado em coleções em suas respectivas bibliotecas.
           Por fim, digo eu, se queremos salvar o cordel e não simplesmente salvaguardar o que já existe, a palavra é sistematização, para preservar-lhe a coroa antes que, parodiando D. João VI, algum aventureiro lace mão dela.



Autor :  Massilon Silva *Escritor e poeta, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel