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SISTEMATIZAÇÃO JÁ! *Massilon Silva

SISTEMATIZAÇÃO JÁ! *Massilon Silva

  Em nossos mais recentes artigos temos tratado com frequência da rápida e merecida ascensão da literatura de cordel não apenas na região nordeste brasileira como em todo o país, seja pelo surgimento de novos e talentosos cordelistas, seja pela adesão do público leitor ou ainda graças à cobertura incessante da imprensa nacional. Neste  conjunto de fatores inserem-se as diversas instituições que se debruçam sobre o tema, ora divulgando, ora promovendo encontros, sempre com o intuito de difundir a arte cordeliana, hoje de temática tão abrangente quanto qualquer outra forma de expressão verificada no diversificado ambiente cultural.
          Dentre as inúmeras instituições públicas ou privadas, que cuidam atualmente da divulgação e valorização de nossa dessa arte está, sem dúvida alguma o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Prova suficiente para dar suporte ao nosso entendimento foi o encontro realizado ontem na sede do órgão na cidade do Rio de Janeiro, para o qual foram convidados todos os cordelistas cariocas e fluminenses. Segundo estampado no convite e confirmado na oportunidade, o evento teve o intuito de "esclarecer dúvidas e elaborar as ações de forma coletiva". Recebemos de fontes confiáveis a informação de que um número considerável de membros da Academia Brasileira de Literatura de Cordel se fez presente, fato que muito honra e alegra toda a comunidade do cordel.
           Uma outra ação promovida pelo IPHAN está em andamento na IX Bienal Internacional do Livro de Alagoas. Ali o órgão cedeu parte do seu espaço físico, em sua sede local, para exposição, venda, palestras, lançamentos de obras e outras atividades desenvolvidas pela Academia Alagoana de Literatura de Cordel - AALC. Ainda nesta linha, leio neste momento um comunicado do confrade Ciro Veras, presidente da Academia, informando que o Instituto o procurou com a intenção de "conhecer a nossa sede e lá promover uma reunião com o maior número possível de cordelistas". Esta reunião, ainda conforme o presidente da AALC, ocorrerá a partir das 15 horas do próximo dia 15, na sede da Academia, que em caráter provisório funciona nas dependência da Biblioteca Estadual, em Maceió. E continua o presidente: O IPHAN vai nos apoiar nos mais diversos segmentos, inclusive na sonhada Feira do Cordel Alagoano. Será uma parceria geradora de vários frutos, concluiu Ciro.
           Esse tipo de parceria, nunca é demais repetir, é de importância fundamental para o cordel e acende a luz amarela para todos aqueles órgãos engajados na valorização e reconhecimento da mais famosa arte popular nascida em território nordestino. Acende a luz amarela não pelo evento em si, mas porque aponta para a necessidade de uma discussão mais aprofundada e mais séria sobre o que é verdadeira e definitivamente o cordel, se quisermos tratá-lo como gênero literário.

          Muito embora todos falem com orgulho do cordel; as Academias se proliferem; as feiras de livros e bienais se abarrotem de publicações de new cordelistas; cordeltecas se disseminem; Câmaras Legislativa produzam legislação pertinente, ainda é muito difusa a ideia e o conceito da arte cordeliana. Continuo a bater na tecla por uma definição, se desejarmos realmente chegar às escolas e a um público que identifique o cordel como verdadeira literatura.
          Hoje, apesar dos esforços até agora envidados, não teríamos concretamente como ensinar a arte cordelística, com base em escritos do gênero de formatos indefinidos e conceitos variados. Chama-se cordel a qualquer poesia popular que, mesmo não obedecendo ao mínimo de critério quanto às regras fixas e rígidas de rima métrica e oração se apresente como tal, com estrofes curtas ou longas, sem mesmo sequer se aproximar da arte de Leandro Gomes de Barros,  Rodolfo Coelho Cavalcante, Manoel Camelo e outros mestres. É mais ou menos o que dizia Ariano Suassuna quando falava em "gosto médio", criticando os pseudo artistas da MPB.
           Passa pela cabeça de algum professor ou estudante de literatura que um soneto apresente mais ou menos de 4 estrofes, dois quartetos e dois terceto, totalizando 14 versos, ou uma trova com mais ou menos de 4 versos de 7 sílabas poéticas? E por que com o cordel seria diferente?
           Entendo que às entidades - leia-se Academias de Cordel - cabe tomar a iniciativa. Sabemos que a Academia Brasileira de Literatura de Cordel - ABLC reúne no conjunto de seus membros pesquisadores estudiosos e cordelistas altamente qualificados e profundos conhecedores do assunto, para liderar um grupo de estudos que venha resultar na sistematização do cordel. Ora, não é assim que se faz com a língua portuguesa quando se quer implementar as famosas reformas ortográficas para uniformizar o português nos países lusófonos? Os acordos ortográficos são assinados e mais tarde oficializados por Decretos promulgados pelas autoridades competentes dos países signatários mas, antes, são formatados conjuntamente pela Academia de Ciências de Lisboa e Academia Brasileira de Letras, conjuntamente.





         A palavra para o cordel neste momento de concepções dispersas é sistematização, se quisermos chegar às escolas e universidades como verdadeira literatura e não não como um objeto alvo da curiosidade de alunos e professores.
         Decidi voltar a este assunto, e voltarei sempre que preciso for, pela tristeza que me assaltou, aliás, um misto de tristeza e perplexidade, ao ler a notícia sobre a realização no último dia 31 de outubro de um evento com o pomposo título de Sarau Poemas e Cantos da Cidade, que teve lugar no Centro Cultural Ariano Suassuna, em João Pessoa, a bela e acolhedora capital paraibana. Constou da programação uma série de atividades culturais e artísticas como apresentação musical, exposição coletiva de artistas plásticos da Paraíba, performances, lançamentos de cordéis (2) e lançamentos de livros (7), além de outras.
            Perguntará o leitor:
            - Por que a perplexidade aliada à tristeza do colunista?
            - Eis a resposta, também em forma de pergunta:
            - Qual a explicação para lançamentos de cordéis divorciado de lançamentos de livros?
             A explicação no entanto, é que para grande parte da intelectualidade e também do grande público consumidor o cordel ainda é tratado como literatura inferior e suas publicações não se inserem na categoria livro.
            Precisamos urgentemente, repito, tomar uma atitude forte e decisiva para tirar o cordel do limbo literário a que foi condenado, se for nossa pretensão chegar na prática ao que está prescrito em teoria. Por teoria entenda-se a legislação que trata da inclusão do cordel nos currículos escolares de municípios e estados do Brasil, ou todo esforço restará em vão.
           Atenção ABLC: Que a ordem do dia para o cordel seja SISTEMATIZAÇÃO JÁ!
 

*Escritor e poeta, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.